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quarta-feira, 21 de maio de 2008

indício de que estamos...

s/ nome - sombra de prata - 31mar2007



era maior do que eu e às vezes ainda crescia mais porque enxergava nuances de longos braços e pernas. insistia em andar ao meu lado direito, um pouco mais à frente. não estava sabendo lidar com aquela proximidade irritante e opaca. assim que quando tomava o anverso que era meu, eu fazia questão de acelerar para abatê-la... espezinhar mesmo...divertia-me com o encalço (dessa vez, meu).
então, selamos a perseguição. mas eu me sentia mal porque ela estava, na maior parte do tempo, alguns passos adiante. nunca a havia percebido e tampouco ninguém se dava conta da minha aflição. era um tal de conversa pra cá e conversa pra lá e eu tentando me desvencilhar do atrevimento dialético entre mim e aquele vestígio ensurdecedor.
.....
Aprendi a passear no verão, quando ainda se misturavam famílias no apartamento térreo da Vila Caiçara e curtia-se a pele na dura areia da praia coberta com esteiras de coloridas bordas que marcavam a gente. frisos rosa-ardidos caminhavam conosco pelas barracas em que exibíamos biquínis e cabelos aos rapazinhos. não entendo por que, ainda, quando chove, o cheiro de terra me leva pra lá e posso caminhar naquele asfalto de antes com pedrinhas e folhas renunciadas. as que insistiam mais altas seguravam o mênstruo das nuvens e troçavam de gotejá-lo nas costas aos desconcertantes calafrios. fui iniciada em lidar com ruas e pernas através da concessão delicada que mamãe fazia da sua mão à minha. assim, mantínhamos a distância ideal e o laço indissolúvel do melhor abrigo entre o que eu desconhecia, caso eu precisasse de acolhida no sobrepujamento.
às vezes, apertava sem querer, com a minha pequenina, a mão terna que mamãe me dava. nas ocasiões de escutar eu também querendo falar, mas o que gritava era mudo. eis que nos submetemos à esquina e topamos com o dimanar redondo do dia ao meu encontro, com seu cantarolar vespertino que era de uma tristezinha estranha aos meus olhinhos semi-cerrados. o ensaio para vislumbrá-lo já foi o pretexto de amarilhar-se... é, o Sol não sabe disfarçar, alardeando e transbordante na insistência do reparo – raro – sua dor arde em mim. pupila bem dentro, que toca o vão do momento que perambula pela casa sem chave que me habita.
além de, foi ele quem arremessou ao verso o que me perseguira até então... ah...como amei-o naquele dis-traindo do que eu era! desfechei-me para ele... acendi os olhos até dilatá-los e, ele, sem jeito em sua sabedoria...não sabia se pôr diante daquela circunstância e eu trouxe-o para dentro do ventre em estreante interstício... evoquei mamãe pra contar-lhe sobre o mistério desvendado enquanto ele escondia-se na branca incerteza e renascia morador das minhas espaldas. dessa vez, mamãe virou-se pra mim. eu me descobrindo, apontei pro chão - olha o neném bia!


Madrugada de 18 de janeiro de 2008

9 comentários:

  1. Que linda imagem, Beatriz! De quem é a foto mágica?... e teu texto, tua escrita, como sempre, fantástica, ferina, fulgurante, intrigante, instigante, impetuosa!... Gosto da força-e-delicadeza que colocas nas palavras, as letras parecem cintilar e cortar, abrindo novos caminhos, à sua passagem! ABraços alados!

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  2. Beatriz:

    Bela prosa poética!
    Os caminhos externos, muitas vezes, são os de nossa estrada interior...
    Um passeio pelo feminino & suas lembranças.
    Estarei visitando outras vezes.

    Beijão.

    Ricardo Mainieri

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  3. Contexto bem feito, bem construído com uma sutileza ímpar que parece um ikebana pra quem lê.
    Um grito de nostalgia, um querer de sol, uma potência de vida.

    Beijo e muita luz.

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  4. Anônimo5:36 PM

    mistérios, ah, os mistérios escondidos no próprio instante em que tudo escapa pelos vãos dos dedos!

    deixar aqui meu textinho novo:

    http://eder-fonseca.com.br/ss-v1-2007/index.php?entry=entry080514-175737

    um abraço,

    eder.

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  5. Anônimo10:11 PM

    belíssima imagem e belíssimo texto.
    http://comunicatudo.blogspot.com/
    Marcelo D'Amico

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  6. Anônimo3:58 PM

    Ei, a saudade das tuas letras ia longe, sabia?
    Só pra variar, cá estou maravilhado...uma palavra que foge à ordem (ordem?? mas, que ordem se até o sotaque nos querem levar??) aqui e acolá aparece surpreendendo...lindo moça, muito lindo...

    Bjs!!

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  7. Oi, Bia!
    Memórias poéticas, descoberta do mundo, descoberta pelo mundo... Belo texto!

    Beijos

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  8. Menina! Que que é isso?!
    Esse texto me tirou os pés do chão por alguns momentos.
    Magnífico!
    Parabéns!

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